As coisas têm peso, massa, volume,
tamanho, tempo, forma, cor, posição,
textura, duração, densidade, cheiro,
valor, consistência, profundidade, contorno,
temperatura, função, aparência, preço,
destino, idade, sentido.
As coisas não têm paz.
As coisas, Arnaldo Antunes
Em tempos de internet, Ipad, Iphone, e-book, acentua-se a questão à respeito das coisas, o valor dos objetos. Se antigamente os livros eram feitos de papel trapo, fibra de algodão, e por isso mesmo duraram tanto tempo, hoje o que temos são publicações de baixíssima qualidade editorial, com algumas raras excessões.
Claro que não podemos esquecer que a revolução que a internet e os meios digitais de reprodução proporcionaram colabora com a facilidade de acesso à leitura e à produção de conhecimento. Mas longe de uma coisa matar a outra, parafraseando o padre Claude Frollo, personagem do “Notre Dame de Paris” de Victor Hugo[i].
O objeto livro não deverá desaparecer assim tão facilmente. Inclusive pelo valor afetivo que envolve o contato com o livro durante a sua leitura.
Um livro ilustrado, um livro bem diagramado, com bom papel... Todos esses itens conferem matéria poética ao livro, que deixa de ser mero suporte ou invólucro de textos literários. A estrutura física é parte primordial da obra livro. Um livro visto enquanto objeto extrapola os padrões de forma e funcionalidade. Nesse sentido, o livro torna-se espaço possível de percepção plástica.
A leitura, conforme Certeau (1994), não se deixa fixar e não possui reservas, o livro se tornará, então, aquilo que se pode guardar numa estante, numa mesa, na memória. Não (apenas) pelo seu conteúdo, pela história que ensina, pelo estilo do autor, mas porque, naquela edição, com aquela capa, com aquela cor, com aquele tipo de papel e letra, o livro poderá oferecer ou mesmo restituir imagens, fatos, sensações, sentimentos e até pessoas significativas, que estão ligadas a um momento da vida - singular - vivido e gerador de uma experiência e de uma memória de leitura.[ii]
Estamos cercados de objetos que nos afetam. Para Jean Baudrillard[iii], o objeto possui características essenciais, relacionadas à função, e inessenciais, relacionadas ao âmbito psicológico ou sociológico de uso e necessidades humanas. Tendo em vista que somos seres psicológicos e sociais, características como cor, forma e textura, – características dispensáveis à funcionalidade do objeto - por exemplo, podem fazer de um objeto essencial a um determinado indivíduo. O valor de memória de uma fotografia pode torná-la uma relíquia a alguém.
[i] O padre profere as palavras “Ceci tuera cela” – isto vai matar aquilo – ao observar um livro impresso sobre a sua mesa. Naquela época, século 15 (logo após a invenção da imprensa), o conhecimento era transmitido através de imagens nos edifícios, vitrais de Catedral. A arquitetura era a maior fonte de informação. Assim, era de se entender a preocupação do padre Frollo frente à nova invenção. Seu medo era de que o livro, a imprensa, destruísse a catedral.
[ii] GOULART, Ilsa do Carmo V. O livro: objeto de estudo e memória de leitura. Dissertação - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2009, pág. 3.
[iii] BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. Série Debates, 4ª Ed., São Paulo: Perspectiva, 2000.
Ps.: Texto em construção. Estou desenvolvendo, juntamente com a amiga e colega de curso Fernanda Ricchiero Dusek, pesquisa sobre ex libris e as coleções que integram o acervo da Biblioteca Central dos Estudantes da UnB. Aqui, divulgo ensaios e insights que nos possam servir de embasamento teórico. O texto acima foi escrito tendo como estímulos reflexões realizadas nas disciplinas Ateliê 1 e Museologia, patrimônio e memória, orientadas pelas profs. Grace de Freitas e Ana Abreu, respectivamente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário